
Veto da Lei dos Imigrantes
Na sequência da declaração de inconstitucionalidade do Decreto da Assembleia da República n.º 6/XVII – que procedia a alterações da Lei dos Estrangeiros – e do seu consequente veto por parte do Presidente da República, apresenta-se, pelo presente, um resumo destas consequências:
A fiscalização preventiva da constitucionalidade é um mecanismo jurídico que ocorre antes da promulgação de uma norma levada a cabo pelo Tribunal Constitucional.
Mas porque foi declarado inconstitucional o Decreto da Assembleia da República n.º 6/XVII? No requerimento submetido ao Tribunal Constitucional, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, solicitou a fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversas normas relativas ao direito ao reagrupamento familiar (n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 98.º, alterado pelo artigo 2.º do Decreto), às condições para o seu exercício (n.ºs 1 e 3 do artigo 101º, alterado pelo artigo 2.º do Decreto), ao prazo de apreciação de pedidos pela AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo – (n.º 1 do artigo 105.º, alterado pelo artigo 2.º do Decreto) e ao direito de recurso (artigo 87.º-B, aditada pelo artigo 3.º do Decreto).
As cinco normas declaradas incompatíveis com a Constituição foram:
- Novo n.º 1 do artigo 98.º – que exclui o cônjuge ou equiparado do direito ao reagrupamento familiar, disponíveis apenas para menores já residentes em Portugal;
- n.º 3 do artigo 98.º – que impõe um prazo mínimo de dois anos de residência para requerer reagrupamento familiar, mesmo de membros adultos da família;
- Novo n.º 1 do artigo 105.º — o acúmulo do prazo de decisão de 9 meses, prorrogável por até 18 meses, somado ao período de espera de dois anos é inconstitucional por não respeitar os deveres de proteção da família;
- Artigo 87.º-B — no que concerne às condições de tutela jurisdicional (ação administrativa de intimação), considerada incompatível com os princípios constitucionais de acesso à justiça, igualdade, celeridade e tutela efetiva;
- n.º 3 do artigo 101.º — a imposição de medidas de integração delegadas por Portaria viola o princípio da reserva de lei, por transferir para regulamentação executiva matérias que requerem legislação.
O Tribunal Constitucional fundamentou as suas declarações no seguinte:
Artigo 98.º, n.º 1 — Exclusão do cônjuge ou equiparado – O novo n.º 1 do artigo 98.º restringia o reagrupamento familiar apenas a filhos menores de estrangeiros residentes em Portugal, excluindo expressamente o cônjuge, unido de facto ou equiparado.
O Tribunal entendeu que esta exclusão viola o princípio da proteção da família, consagrado no artigo 36.º, n.º 1 e 6 da Constituição, que reconhece e protege a família como elemento fundamental da sociedade. A convivência familiar, particularmente entre cônjuges ou unidos de facto, constitui um direito fundamental, cuja restrição exige uma justificação ponderosa, que o legislador não apresentou.
Assim, ao impedir o reagrupamento com o cônjuge ou equiparado, a norma conduz à separação injustificada dos membros da família, comprometendo os direitos fundamentais à vida familiar e à unidade familiar. Por este motivo, o Tribunal declarou esta norma inconstitucional.
Artigo 98.º, n.º 3 — Exigência de dois anos de residência prévia para reagrupamento – Esta norma impunha que o residente estrangeiro só pudesse requerer o reagrupamento familiar após dois anos de residência legal em Portugal. O Tribunal considerou esta exigência excessiva e desproporcional, violando os direitos fundamentais à proteção da família e à unidade familiar, protegidos pelos artigos 36.º, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição. A imposição deste prazo arbitrário tem como efeito o adiamento injustificado da vida em comum entre os membros da família, sem que exista fundamento constitucional suficiente que o justifique.
A proteção da família exige que os mecanismos legais favoreçam a sua reunião e a convivência familiar, em vez de imporem obstáculos indevidos ao exercício desse direito.
Artigo 105.º, n.º 1 – Acumulação de prazos administrativos para decisão de reagrupamento (9 + 18 meses) – A Lei previa um prazo inicial de nove meses para a decisão administrativa sobre os pedidos de reagrupamento familiar, prorrogável por mais dezoito meses, a somar ao prazo de dois anos de residência exigido antes do pedido. O Tribunal entendeu que esta acumulação de prazos é manifestamente incompatível com os deveres constitucionais de proteção da família. Ao criar um regime que pode atrasar a reunião familiar por mais de três anos, o legislador comprometeu o núcleo essencial do direito à vida familiar. Tal regime fere os princípios da proporcionalidade, da celeridade administrativa e da proteção da família, consagrados na Constituição. O Tribunal sublinhou que o Estado tem o dever de promover a efetiva união dos membros da família, não podendo criar obstáculos administrativos que a inviabilizem ou a tornem desrazoavelmente demorada.
Artigo 87.º-B (parcial) — Acesso à tutela jurisdicional – Este artigo, no seu n.º 3, condicionava o acesso à tutela jurisdicional efetiva no âmbito do processo de intimação administrativa, restringindo prazos e formas de reação dos cidadãos perante a Administração.
O Tribunal declarou esta norma parcialmente inconstitucional, por violar diversos princípios fundamentais, nomeadamente:
- Acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º da Constituição);
- Tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição);
- Princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição);
- Princípio da celeridade e proporcionalidade na atuação administrativa e judicial.
Em concreto, a norma introduzia obstáculos processuais que podiam tornar ineficaz a reação do cidadão contra omissões ou abusos da Administração Pública, nomeadamente em matéria de direitos fundamentais como o reagrupamento familiar. Isso afeta a confiança dos cidadãos na justiça e compromete o Estado de Direito democrático.
Artigo 101.º, n.º 3 — Delegação de matérias reservadas à lei em Portaria – Este preceito previa que os requisitos de integração para efeitos de reagrupamento familiar pudessem ser definidos por Portaria do Governo. O Tribunal considerou que esta delegação viola o princípio da reserva de lei, previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, que determina que certas matérias, como os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, apenas podem ser reguladas por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado. Delegar em mera portaria questões que afetam o exercício de um direito fundamental (como o direito à reunião familiar) compromete a segurança jurídica e o princípio da legalidade, uma vez que permite que matérias essenciais ao exercício de direitos sejam definidas por regulamentação secundária, sem o devido escrutínio democrático.
Por sua vez, declarada a inconstitucionalidade de determinado diploma, desencadeiam-se uma sucessão de acontecimentos e possibilidades:
- Com a declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República é constitucionalmente impedido de promulgar o diploma inconstitucional (artigo 279.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa);
- Com o veto em virtude da inconstitucionalidade, o diploma pode ser devolvido à Assembleia da República, que pode optar por alterar o texto e sanar a inconstitucionalidade; ou
- Poderá confirmá-lo por maioria reforçada (dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta do número total dos deputados), caso a inconstitucionalidade seja de natureza formal ou processual e não material, conforme artigo 279.º, n.º 2 da Constituição.
Deste modo, tendo sido as alterações da Lei dos Estrangeiros vetadas, estas terão de voltar à Assembleia da República para que sejam expurgadas ou modificadas as disposições inconstitucionais.
Assim acontecendo, poderá o diploma que contem as alterações ser promulgada ou novamente fiscalizada em sede de Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade.
Até lá, o atual regime em vigor manter-se-á.
Jorge Filipe de Carvalho
Jurista
Em colaboração com PJM Advogados
14/08/2025